A prática da dissertação (que, infelizmente, ainda é o único gênero textual para o qual realmente treinamos nossos alunos) nada mais é do que um exercício de lógica. Aristóteles, nosso velho amigo, batizou este treino da razão de silogismo - que, traduzido literalmente, significa "conexão de ideias" ou "raciocínio perfeito".
O exemplo clássico de silogismo é:
Todo homem é mortal.
Sócrates é homem.
Logo, Sócrates é mortal.
Simples, não? Duas premissas e uma conclusão organizadas de um modo quase matemático. Aplicando este esquema lógico aos nossos textos, com um pouco de prática conseguimos fazer a "prova real" de nossos argumentos e conferir se eles realmente se encaixam, se conectam. Para os alunos que têm uma quedinha pelas exatas, talvez esta explicação ajude a angariar adeptos da produção de textos.
Ademais, o esquema ajuda a explicar porque geralmente aprendemos a dissertação como um gênero dividido em três etapas: a introdução (premissa 1), o desenvolvimento (premissa 2) e a conclusão. Muitos mil anos depois, continuamos estudando na mesma escolinha dos gregos - insuperáveis quando o assunto é a razão humana.
Contudo, assim como 0,2 é diferente de 2,0, a troca da ordem dos termos afeta a lógica da estrutura.
Todo homem é mortal.
Sócrates é mortal.
Logo, Sócrates é homem.
A construção acima é um raciocínio corrompido, uma "falácia". Afinal, seguindo este esquema, Sócrates poderia ser o nome de meu cachorrinho (logo, um ser mortal), todos os homens continuariam a morrer e a conclusão, portanto, seria falsa, já que meu animal de estimação não pertence ao gênero sapiens sapiens.
Como identificar, contudo, falácias em textos de mais de 3 linhas? Uma boa dica é começar a analisar nossa caixa de entrada de e-mail. Dentre as muitas mensagens que recebemos, boa parte está pautada em raciocínios mal construídos - uma ótima oportunidade de mostrar aos alunos o quão importante é saber interpretar textos, para não sermos enganados por argumentos irracionais maquiados de logicidade. Abaixo, seguem dois textos que recebi e que são absolutamente falaciosos:
O mapa acima tenta provar que a redução da maioridade penal é necessária, apoiando-se na seguinte ideia:
Os países ricos têm baixa maioridade penal.
O Brasil tem alta maioridade penal.
Logo, o Brasil precisa reduzir sua maioridade penal para se desenvolver.
Além do argumento, por si só, não ser efetivo, esta imagem é muito divulgada por pressupor que só iremos comparar nossa terrinha com Estados Unidos e Europa. Se desviamos minimamente nosso olhar um pouco mais ao Sul (África) e ao Leste (Ásia) vemos que a condição econômica não tem nenhuma relação com a faixa etária da maioridade penal. Afinal, se fosse assim, Bangladesh (cuja maioridade se atinge aos 7 anos) seria uma potência mundial, não é verdade?
Outro texto clássico nas correntes de e-mail é o seguinte:
“Prezado Oficial Militar,
Venho por intermédio desta pedir a minha dispensa do Serviço Militar.
A razão para isto é bastante complexa e tentarei explicar em detalhes.
Meu pai e eu moramos juntos e possuímos um rádio e uma televisão.
Meu pai é viúvo e eu solteiro. No andar de baixo, moram uma viúva
e sua filha, ambas muito bonitas e sem rádio e nem televisão. Eu me
apaixonei pela viúva e casei com ela. Meu pai se apaixonou pela filha e
também se casou com esta.
Neste momento, começou a confusão…
A filha da minha esposa, a qual casou com o meu pai, é agora a
minha madrasta. Ao mesmo tempo, porque eu casei com a mãe, a filha dela
também é minha filha (enteada). Além disso, meu pai se tornou o genro da
minha esposa, que por sua vez é sua sogra. A minha esposa ganhou
recentemente um filho, que é irmão da minha madrasta. Portanto, a minha
madrasta também é a avó do meu filho, além de ser seu irmão. A jovem
esposa do meu pai é minha mãe (madrasta), e o seu filho ficou sendo o
meu irmão. Meu filho é então o tio do meu neto, porque o meu filho é
irmão de minha filha (enteada). Eu sou, como marido de sua avó, seu avô
Portanto sou o avô de meu irmão. Mas como o avô do meu irmão também é o
meu avô, conclui-se que eu sou o avô de mim mesmo!
Portanto, Senhor Oficial, eu peço dispensa do serviço militar
baseado no fato de que a lei não permite que avô, pai e filho sirvam ao
mesmo tempo. Se o Senhor tiver qualquer dúvida releia o texto várias
vezes (ou tente desenhar um gráfico) para constatar que o meu argumento
realmente é verdadeiro e correto.
Ass. Avô, pai e filho.”
Para chegar a uma conclusão falsa, é necessário, como já vimos, a falta de encadeamento dos termos. No início, o narrador coloca expressões explicativas, que evitam a confusão, entre parênteses. Contudo, conforme ganha a confiança do leitor, deixa as explicações de lado e assume ideias metafóricas como verdadeiras, instaurando as falácias.
É isso - de Aristóteles e Sócrates a correntes de e-mail. Para dar aulas de português, a diversidade é a receita.
Nenhum comentário:
Postar um comentário