terça-feira, 24 de abril de 2012

Eu odeio ler – e agora, José?


Uma vez, um aluno me chamou logo após o término da aula, todo angustiado em busca de uma solução para o seu grande dilema: em plena época de vestibular (com 9 livros obrigatórios na lista da Fuvest) a sua aversão pela leitura não diminuía.
Eu, inocentemente, perguntei:
- Mas que tipo de obra você não gosta de ler?
- Qualquer uma que tenha letras.
O caso do meu aluno é mais um entre tantos outros – basta ver o relatório da leitura no Brasil, que veio à tona na mídia neste começo de ano e deixou em evidência que nossos jovens leem cada vez menos. Contudo, mais que repensar a atitude dos estudantes, compensa refletir um pouco sobre o nosso discurso enquanto docentes.
Todo professor de português garante que ler faz bem. Mas será que aprovamos as leituras que nossos alunos fazem? Eu já fui recriminada por ler o Diário de uma Princesa em minha época de vestibulanda, Chico Bento quando estava na escola e Paulo Coelho nos meus anos de faculdade de Letras. Nós incentivamos a leitura de nossos alunos apenas quando está de acordo com os nossos interesses, apenas quando corresponde à dita “literatura”. No entanto, quem define o cânone? Quem decide o que é literário e o que é lixo cultural?


A minha resposta ao dilema do aluno foi afirmar que qualquer leitura era válida. Para provar que não existe pessoa que não goste de ler, fiz a seguinte sondagem:
- Você gosta de filmes? De todos os filmes que existem ou de alguns gêneros? Você acha que existe alguém que não goste de nenhum filme do mundo?
- Você gosta de música? Até de ópera e salsa? Todos nós gostamos de pelo menos um tipo de música? É quase impossível alguém gostar de todos os estilos musicais com a mesma paixão?
- E leitura? Se sempre gostamos de pelo menos um tipo de música e filme, será que não há nada escrito que corresponda ao seu gosto?
Com um pouco de jeito, descobri que ele não odiava todas as letras – gibis e mangás, por exemplo, lhe pareciam mais interessantes. Há leituras obrigatórias das quais não podemos escapar, seja no vestibular ou em um concurso público. Contudo, em outros contextos, nossa função de professores de língua é estimular o desenvolvimento de competências e ferramentas textuais básicos – o que se pode fazer tanto com livros de piada quanto com Machado de Assis. E, sem trabalhar o básico, nunca chegaremos às capacidades avançadas de leitura – estas sim, envolvendo os livros ditos literários e algunas cositas más.

segunda-feira, 23 de abril de 2012

Dicas de leitura – O decálogo do professor de redação

Um texto de 14 páginas que contem a essência milagrosa das aulas de Produção de Texto – se a descrição é hiperbólica, é porque, para mim, este artigo sintetizou muitas de minhas descobertas após 8 anos de ensino de escrita. Eu aprendi na prática (apanhando, errando, falhando) o que Dolz e Pasquier resumem lindamente na teoria.
 
A leitura do texto é rápida e leve. Mas, de qualquer forma, os dez pontos principais a serem praticados pelos professores de Produção Textual seguem abaixo:

  
O que dá certo e deve ser praticado
O que se faz na escola... e dá errado
 
1. Diversidade textual: conjunto de aprendizagens específicas de diversos gêneros textuais.
 
 
1. Indiferenciação textual: ensina-se a escrever a partir de procedimento generalizável a todo texto.
 
 
2. Abordar a produção de textos desde o início da escolaridade.
 
 
2. Começar a escrever textos na escolaridade mais avançada.
 
 
3. Progressão “em espiral”: intercalar a retomada de gêneros já estudados com a aprendizagem de gêneros novos.
 
 
3. Progressão “linear”: de um tipo de texto a outro.
 
 
4. Do complexo para o simples para voltar ao complexo.
 
 
4. Aprendizagem aditiva: do simples para o complexo.
 
 
5. Ensino intensivo (trabalhar unidades de sentido).
 
 
5. Ensino descontínuo (trabalhar atividades fragmentadas).
 
 
6. Modelo: textos sociais em uso. Trabalho com materiais autênticos.
 
 
6. Modelo: textos escolares produzidos ad hoc. Trabalho com textos artificiais e facilitadores.
 
 
7. Atividades de revisão e reescrita.
 
 
7. Correção normativa.
 
 
8. Método indutivo (o aluno participa da construção do conhecimento).
 
 
8. Método transmissor frontal (o professor ensina e o aluno aprende).
 
 
9. Regulação externa e interna (o aluno e o professor observam os problemas do texto).
 
 
9. Regulação pelo professor (o professor corrige).
 
 
10. Organização do ensino em sequências didáticas.
 
 
10. Ausência de ensino sistemático, centrado em um texto de cada vez (sem estabelecer continuidade com os textos seguintes).
 

quarta-feira, 18 de abril de 2012

Capitães de Areia - Banco de Questões


FUVEST 2010


Por caminhos diferentes, tanto Pedro Bala (de Capitães de areia, de Jorge Amado) quanto o operário (do conhecido poema “O operário em construção”, de Vinícius de Moraes) passam por processos de “aquisição de uma consciência política” (expressão do próprio Vinícius). O contexto dessas obras indica também que essa conscientização leva ambos à
a) exclusão social, que arruína precocemente suas promissoras carreiras profissionais.
b) sublimação intelectual do ímpeto revolucionário, motivada pelo contato com estudantes.
c) condição de meros títeres, manipulados por partidos políticos oportunistas.
d) luta, em associação com seus pares de grupo ou de classe social, contra a ordem vigente.
e) cumplicidade com criminosos comuns, com o fito de atacar as legítimas forças de repressão.


FUVEST 2010
 
Inimigo da riqueza e do trabalho, amigo das festas, da música, do corpo das cabrochas. Malandro. Armador de fuzuês. Jogador de capoeira navalhista, ladrão quando se fizer preciso.
Jorge Amado, Capitães de areia.

O tipo cujo perfil se traça, em linhas gerais, neste excerto, aparece em romances como Memórias de um sargento de milícias, O cortiço, além de Capitães de areia. Essa recorrência indica que
a) certas estruturas e tipos sociais originários do período colonial foram repostos durante muito tempo, nos processos de transformação da sociedade brasileira.
b) o atraso relativo das regiões Norte e Nordeste atraiu para elas a migração de tipos sociais que o progresso expulsara do Sul/Sudeste.
c) os romancistas brasileiros, embora críticos da sociedade, militaram com patriotismo na defesa de nossas personagens mais típicas e mais queridas.
d) certas ideologias exóticas influenciaram negativamente os romancistas brasileiros, fazendo-os representar, em suas obras, tipos sociais já extintos quando elas foram escritas.
e) a criança abandonada, personagem central dos três livros, torna-se, na idade adulta, um elemento nocivo à sociedade dos homens de bem.


FUVEST 2010

Considere a seguinte relação de obras: Auto da barca do inferno, Memórias de um sargento de milícias, Dom Casmurro e Capitães da areia. Entre elas, indique as duas que, de modo mais visível, apresentam intenção de doutrinar, ou seja, o propósito de transmitir princípios e diretivas que integram doutrinas determinadas.
Divida sua resposta em duas partes: a), para a primeira obra escolhida e b), para a segunda obra escolhida, conforme já vem indicado na respectiva página de respostas. Justifique sucintamente cada uma de suas escolhas.


FUVEST 2011
 
Entre as variedades de preconceito enumeradas a seguir, aponte aquelas que o grupo dos “capitães da areia” (do romance homônimo) rejeita e aquelas que acata e reforça: preconceito de raça e cor; de religião; de gênero (homem e mulher); de orientação sexual. Justifique suas respostas.


Fuvest 2011

Considere a seguinte alienação: Ambas as obras criticam a sociedade mas apenas a segunda milita pela subversão da hierarquia social nela representada. Observada a sequência, essa afirmação aplica-se a:

a) A cidade e as serras e Capitães da areia.
b) Vidas secas e Memórias de um sargento de milicias.
c) O cortiço e Iracema.
d) Auto da barca do inferno e A cidade e as serras.
e) Iracema e Memórias de um sargento de milícias.

resposta: Alternativa A

Fuvest 2011

O papel desempenhado pela personagem Ritinha (Rita Baiana), no processo sintetizado no excerto, assemelha-se ao da personagem

a) Iracema, do romance homônimo, na medida em que ambas simbolizam o poder de sedução da terra brasileira sobre o português que aqui chegava.
b) Vidinha, de Memórias de um sargento de milícias, tendo em vista que uma e outra constituem fatores decisivos para o desencaminhamento de personagens masculinas anteriormente bem orientadas.
c) Capitu, de Dom Casmurro, a qual, como a baiana, também lança mão de seus encantos femininos para obter ascensão social.
d) Joaninha, de A cidade e as serras, pois ambas representam a simplicidade natural das mulheres do campo, em oposição à beleza artificiosa das mulheres das cidades.
e) Dora, de Capitães da areia, na medida em que ambas são responsáveis diretas pela regeneração física e moral de seus respectivos pares amorosos.

resposta:[A]
 
FUVEST 2012

Leia o seguinte excerto de Capitães da areia, de Jorge Amado, e responda ao que se pede.
O sertão comove os olhos de Volta Seca. O trem não corre, este vai devagar, cortando as terras do sertão. Aqui tudo é lírico, pobre e belo. Só a miséria dos homens é terrível. Mas estes homens são tão fortes que conseguem criar beleza dentro desta miséria. Que não farão quando Lampião libertar toda a caatinga, implantar a justiça e a liberdade?
Compare a visão do sertão que aparece no excerto de Capitães da areia com a que está presente no livro Vidas secas, de Graciliano Ramos, considerando os seguintes aspectos:
a) a terra (o meio físico);
b) o homem (o sertanejo).
Responda, conforme solicitado, considerando cada um desses aspectos nas duas obras citadas.



UFPE 2001

"Irmão ... é uma palavra boa e amiga. Se acostumaram a chamá-la de irmã. Ela também os trata de mano, de irmão. Para os menores é como uma mãezinha. Cuida deles. Para os mais velhos é como uma irmã que brinca inocentemente com eles e com eles passa os perigos da vida aventurosa que levam.
Mas nenhum sabe que para Pedro Bala, ela é a noiva. Nem mesmo o Professor sabe. E dentro do seu coração Professor também a chama de noiva."
(Jorge Amado: "Capitães da Areia").

Considerando a obra e o autor do texto, assinale a alternativa INCORRETA.
a) O autor faz parte do romance regional de 30, quando se aprofundaram as radicalizações políticas na realidade brasileira.
b) Jorge Amado representa a Bahia, "descobrindo" mazelas, violências e identificando grupos marginalizados e revolucionários em "Capitães da Areia".
c) Dora, Pedro Bala e Professor são alguns dos personagens da narrativa, que aborda a dramática vida dos camponeses das fazendas de cacau no sul da Bahia.
d) O tom da narrativa aproxima-se do Naturalismo, alternando trechos de lirismo e crueza. O nível de linguagem é coloquial e popular.
e) "Capitães da Areia " pertence à primeira fase da produção de Jorge Amado, quando era notório seu engajamento com a política de esquerda. Daí o esquematismo psicológico: o mundo dividido em heróis (o povo) e bandidos (a burguesia).


resposta:[C]

UFPE 2001

TEXTO 1

"Irmão ... é uma palavra boa e amiga. Se acostumaram a chamá-la de irmã. Ela também os trata de mano, de irmão. Para os menores é como uma mãezinha. Cuida deles. Para os mais velhos é como uma irmã que brinca inocentemente com eles e com eles passa os perigos da vida aventurosa que levam.
Mas nenhum sabe que para Pedro Bala, ela é a noiva. Nem mesmo o Professor sabe. E dentro do seu coração Professor também a chama de noiva."
(Jorge Amado: "Capitães da Areia").

TEXTO 2

Para um homem se ver a si mesmo, são necessárias três coisas: olhos, espelho e luz. Se tem espelho e é cego, não se pode ver por falta de olhos; se tem espelho e olhos e é de noite, não se pode ver por falta de luz. Logo, há mister luz, há mister espelho e há mister olhos. Que coisa é a conversão de uma alma senão entrar o homem dentro de si e ver-se a si mesmo? (...)
O pregador concorre com o espelho que é a doutrina.
(Padre Antônio Vieira: "Sermão da Sexagésima").

TEXTO 3

"Ó almas presas mudas e fechadas,
nas pressões colossais e abandonadas,
Da dor no calabouço, atroz, funéreo!
Nesses silêncios solitários, graves
Do chaveiro do Céu, possuís as chaves
Para abrir-vos as Portas do Mistédo?!"
(Cruz e Souza: "Missal").

Os autores dos textos 2 e 3 abordam temas transcendentais, seguindo o modelo do movimento a que cada um pertenceu e o gênero literário que praticou. Sobre eles e suas obras, assinale a alternativa INCORRETA.
a) Cruz e Souza foi o primeiro poeta negro do Brasil e pertenceu ao movimento simbolista. Nesse poema valoriza a realidade subjetiva e espiritualidade.
b) Vieira, barroco e conceptista, fez predominar no texto 1 o jogo conceitual em um processo lógico de dedução e raciocínio.
c) Os textos 2 e 3 têm a mesma finalidade e objetivo, pelo fato de terem o Barroco e o Simbolismo características comuns: linguagem preciosa, excesso de imagens e preocupação formal.
d) No texto de Cruz e Souza, a busca da transcendência dá-se através da preponderância de símbolos e de um vocabulário ligado às sensações.
e) Enquanto o texto 3 é emotivo e lírico, procurando comover o leitor, o texto 2 é persuasivo, procurando convencer o ouvinte sobre seus ensinamentos.


resposta:[C]
 
Unicamp 2010

Leia o trecho abaixo, do capítulo “As luzes do carrossel”, de Capitães da Areia:

O sertanejo trepou no carrossel, deu corda na pianola e começou a música de uma valsa antiga. O rosto sombrio de Volta Seca se abria num sorriso. Espiava a pianola, espiava os meninos envoltos em alegria. Escutavam religiosamente aquela música que saía do bojo do carrossel na magia da noite da cidade da Bahia só para os ouvidos aventureiros e pobres dos Capitães da Areia. Todos estavam silenciosos. Um operário que vinha pela
rua, vendo a aglomeração de meninos na praça, veio para o lado deles. E ficou também parado, escutando a velha música. Então a luz da lua se estendeu sobre todos, as estrelas brilharam ainda mais no céu, o mar ficou de todo manso (talvez que Iemanjá tivesse vindo também ouvir a música) e a cidade era como que um grande carrossel onde giravam em invisíveis cavalos os Capitães da Areia. Nesse momento de música eles sentiram-se donos da cidade. E amaram-se uns aos outros, se sentiram irmãos porque eram todos eles sem carinho e sem conforto e agora tinham o carinho e conforto da música. Volta Seca não pensava com certeza em Lampião nesse momento. Pedro Bala não pensava em ser um dia o chefe de todos os malandros da cidade. O Sem-Pernas em
se jogar no mar, onde os sonhos são todos belos. Porque a música saía do bojo do velho carrossel só para eles e para o operário que parara. E era uma valsa velha e triste, já esquecida por todos os homens da cidade.
(Jorge Amado, Capitães da Areia. São Paulo: Companhia das Letras, 2008, p. 68.)

a) De que modo esse capítulo estabelece um contraste com os demais do romance? Quais são os elementos desse contraste?
b) Qual a relação de tal contraste com o tema do livro?


Unicamp 2011


Leia a passagem seguinte, de Capitães da areia:

Pedro Bala olhou mais uma vez os homens que nas docas carregavam fardos para o navio holandês. Nas largas costas negras e mestiças brilhavam gotas de suor. Os pescoços musculosos iam curvados sob os fardos. E os guindastes rodavam ruidosamente. Um dia iria fazer uma greve como seu pai... Lutar pelo direito... Um dia um homem assim como João de Adão poderia contar a outros meninos na porta das docas a sua história, como contavam a de seu pai. Seus olhos tinham um intenso brilho na noite recém-chegada.
(Jorge Amado, Capitães da areia. São Paulo: Companhia das Letras, 2008, p. 88.)

a) Que consequências a descoberta de sua verdadeira origem tem para a personagem de Pedro Bala?
b) Em que medida o trecho acima pode definir o contexto literário em que foi escrito o romance de Jorge Amado?

terça-feira, 17 de abril de 2012

Roteiro de Aula - Capitães de Areia

"Capitães de Areia" começa com uma série de relatos jornalísticos sobre supostos crimes cometidos pela gangue dos garotos de rua. Quem leu a obra até o final sabe que a intertextualidade com o gênero notícia está presente em momentos cruciais do enredo. Tendo em vista esta questão e buscando aproximar a realidade dos Capitães com a de nossos alunos, por que não propor uma atividade com jornais recentes?

Eu selecionei 4 matérias sobre garotos e garotas de rua de veículos distintos. Assim, é possível trabalhar a distinta abordagem de cada um sobre o tema. Os termos grifados são expressões que marcam a posição de cada meio de comunicação sobre os fatos - deste modo, uma atividade possível é indagar aos alunos por que o jornal X escolhe a expressão "vândalos" e o jornal Y escolhe o termo "meninos", por exemplo. Além de aprenderem mais sobre o livro, os estudantes entenderão muito melhor como funcionam as tramoias linguísticas dos meios de comunicação.

Gangue de crianças volta a atacar em São Paulo

Formado por meninas e, desta vez, também por meninos, o grupo continua a promover arrastões na região da Vila Mariana

Uma gangue formada por meninas voltou a atacar na região da Vila Mariana, Zona Sul de São Paulo. Depois de quase um mês sem perturbar os moradores e comerciantes do bairro, as garotas voltaram a protagonizar arrastões em lojas e na rua, atacando pedestres e motoristas. Nos últimos 11 dias, cinco ocorrências envolvendo meninas e, desta vez, também meninos, com idades entre 9 e 15 anos foram registradas pela polícia.
Às 11 horas da última sexta-feira, quatro garotos e uma menina tentaram assaltar os motoristas num semáforo da Avenida Noé de Azevedo, sem sucesso. O grupo foi preso por policiais militares que faziam a patrulha na região e encaminhado ao Conselho Tutelar da Vila Mariana.
A garota, R.P.A., de 14 anos, envolveu-se em pelo menos outras duas ocorrências, em agosto e setembro. Em 22 de setembro, por volta das 17h30, os policiais flagraram R.P.A. e dois meninos atacando moradores na esquina da Avenida Noé de Azevedo com a Rua Dona Júlia, na Vila Mariana. Na ocasião, a menina foi conduzida ao Conselho Tutelar. Depois, para um abrigo. Mais tarde, voltou às ruas.
C.J.G.S., de 11 anos, é outra integrante da "gangue de meninas da Vila Mariana", como o grupo ficou conhecido depois de promover inúmeros arrastões na região. Em 29 de setembro, por volta das 11h40, C.J.G.S. foi presa perto do Viaduto Santa Generosa depois de, na companhia de outros adolescentes, tentar furtar pedestres. Como nada foi roubado, a menina foi levada para o Conselho Tutelar. Os comparsas adolescentes conseguiram fugir. Dois dias depois, os mesmos policiais flagraram a mesma menina tentando roubar o relógio de uma mulher no mesmo viaduto. Mais uma vez, C.J.G.S. foi parar no Conselho Tutelar.
Solução Às 10 horas do último domingo, 2 de outubro, Rosélia Aparecida Alves da Silva, funcionária do quiosque Vitta Pane no Terminal Vila Mariana, foi surpreendida por seis meninos e uma menina. "Eles roubaram bolos, lanches e sucos e me ameaçaram", conta. "Quando foram embora, jogaram o que estava no balcão em mim". Rosélia não registrou a ocorrência. Segundo o capitão Flávio Baptista, comandante do 12º Batalhão da Polícia Militar, o policiamento foi reforçado na Rua Domingos de Morais e nas imediações das estações do metrô.
"Graças ao reforço foi possível fazer mais flagrantes e evitar inúmeros outros", afirma Baptista. "Porém, por causa de limitações legais, não cabe a nós a resolução desse problema". A Secretaria Municipal de Assistência Social informou que apenas um caso envolvendo a gangue da Vila Mariana foi registrado pela pasta. Acelino Marques, conselheiro tutelar da Vila Mariana, disse que, neste mês, recebeu duas crianças envolvidas em furtos. "Como os menores moram em Cidade Tiradentes, na Zona Leste, os casos foram encaminhados para lá", diz Marques. "Nós mesmos os levamos de van".
(Veja – 05/10/11)


‘Gangue das meninas’ leva pânico à elite raivosa

Arrastões promovidos por garotas em SP causam revolta em quem (convenientemente) se esquece dos crimes também cometidos pelos filhos da classe média. Por Matheus Pichonelli.

(...) Vejo uma São Paulo em polvorosa por conta das ações de meninas que se organizam para cometer pequenos furtos nas redondezas da Vila Mariana – a “denúncia” ecoou por meio de reportagem dominical da tevê num fim de semana, e foi logo tratada como mais uma questão de segurança pública a assolar a vida da pobre e sofrida classe média que só se preocupa em nascer e morrer sem o sobressalto de ver levado o aparelho de som do carro que equipou a duras penas.


As reportagens que se seguiram por diversos veículos sobre “a gangue das meninas”, que promoveria arrastões pela capital, funcionaram como nitroglicerina pura para a ala raivosa da classe média que já não sabia o que fazer com os seus pedidos de redução da maioridade penal e higienização do centro expandido das grandes cidades. De repente, deram fôlego para a defesa da velha necessidade de se mudar a lei. Numa semana em que a economia mundial se derretia por conta da irresponsabilidade de banqueiros e especuladores, em que a muito custo um ditador sírio fazia a segunda milésima vítima fatal e a fome na Somália deixava um saldo de 20 mil crianças mortas, só se falava em outra coisa nas rodas de conversas das famílias paulistanas.
O perigo, de repente, era a gangue das meninas. E a revolta era justamente causada pelo flagrante da mãe de uma delas, que lamentava que as meninas, recém-detidas, haviam sido ingênuas o suficiente para voltar ao local do crime onde já estavam “marcadas”. A instrução foi a brecha para que meio mundo tirasse o pó do discurso sobre a necessidade de se degolar a mãe, as filhas, o pai ausente, os assistentes sociais e a polícia “que não prende, não me protege, não faz jus aos impostos pagos” e toda a baboseira que se diz em tempos de pavor coletivo.
No auge da revolta, sobrou até para duas jornalistas do portal iG que, durante 40 dias – antes, portanto, da “denúncia” –, pesquisaram e conviveram com grupos de meninas para escrever sobre liderança feminina nas ruas. O pecado delas foi mostrar justamente quem eram as vítimas da história. Foi o suficiente para serem acusadas, por leitores desavisados, de apelar para futilidade no intuito de proteger as “marginais”. Estes não foram capazes nem mesmo de esboçar um certo pesar ao ler o depoimento de uma das meninas sobre o alívio que sentia quando eventualmente conseguia simplesmente tomar banho – e afastar o nojinho que as pessoas sentiam ao vê-la, suja e estropiada.
Quando li e ouvi a execração pública da mãe que relevava o crime das filhas, logo lembrei do discurso recorrente dos pais que, ao verem os filhos flagrados em casos de agressões gratuitas (“Puxa, batemos na empregada achando que era prostituta”), acidentes provocados por racha de playboys, crimes passionais e outros delitos, saem berrando em bom português: “Meu filho não é marginal”.
A mesma rua que abre as porta como abrigo às pequenas vítimas da violência doméstica diária é também o palco de crimes diários que não distinguem raça e cor. Nem o furto nem o estupro nem o homicídio cometido por quem não se importa de andar a mil na contramão e atropelar ciclistas ou pedestres com as bênçãos do papai que bancou a gasolina. Ou oferecer suborno a policiais para simplesmente não cumprir a lei.
No caso das ruas, a inclinação ao crime às portas da infância é, quase sempre, patrocinada por adultos que se valem da lei para escapar de uma eventual condenação de um mundo que já os condenou aos pontapés desde o nascimento. Mas a orientação para que os filhos se deem bem a qualquer custo é privilégio de classes: ocorre antes dos pequenos furtos pelas ruas e também debaixo das abas dos “humanos direitos”. A diferença é que, no Brasil, ninguém coloca a mão na carteira quando vê um desses pelas ruas.
(Carta Capital – 15/08/2011)

Meninas de Rua

Já era bem chocante saber que meninas -- às vezes com 10 ou 11 anos de idade -- andavam promovendo arrastões nas ruas da cidade. A gangue, que contava com 15 crianças, andou fazendo misérias na Vila Mariana, zona sul de São Paulo.
De furtos em semáforos a invasões de lojas, faz tempo que essas meninas não brincam de boneca --se é que puderam fazer isso alguma vez na vida.
Mas o noticiário não para por aí. Chegou, finalmente, até as mães das infelizes. Quatro mulheres foram presas nesta quinta-feira acusadas de "abandono de incapaz".
O diálogo entre uma delas e a filha delinquente foi registrado por repórteres. Vale como retrato de uma miséria que não é só material, mas também humana e ética, no sentido mais amplo. "Você foi voltar no mesmo local do crime?" -- perguntou a mãe à criança apanhada em flagrante. "Você é uma besta mesmo”.
Não dá para saber se era uma repreensão do ponto de vista técnico-profissional -- com a mãe achando normal se a filha fosse mais esperta na hora de cometer seus delitos -- ou se havia nessa frase o desespero de quem já abandonou qualquer expectativa de que a menina se emendasse.
Para a polícia, as mães disseram que já não sabem o que fazer com as filhas. Dizem que elas fogem da escola para assaltar. Alguém mais desconfiado pode perguntar se as meninas não estão sendo estimuladas ao crime por adultos que se beneficiam da impunidade.
Na cidade mais rica do país, onde os apelos do consumo não faltam, falta responsabilidade de todos os lados -- dos pais, do governo, da sociedade. É a rua que toma conta delas, e elas tomam conta da rua.
(Agora São Paulo – 15/08/2011)

Novas meninas de rua assumem vaidade e liderança
Primeira reportagem da série especial sobre as novas meninas de rua mostra mudanças no perfil das garotas 

Enquanto um grupo de meninas de rua de São Paulo virava notícia nacional por furtar e assaltar lojas do bairro da zona sul paulistana chamado Vila Mariana, no centro da cidade Bruna pintava as unhas no estilo francesinha, Bia alisava os cabelos com chapinha com ajuda de um creme especial, Silvia passava batom rosa e pensava se finalmente beijaria na boca.
Os produtos de beleza eram usados a céu aberto e ajudavam a transformar a aparência de três das 6.800 garotas que dormem, vivem e sobrevivem ao relento, conforme contabilizou o censo de meninos e meninas de rua feito em 75 cidades brasileiras e divulgado há três meses pelo Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda).
Durante os últimos 40 dias, o iG acompanhou a rotina de Bruna, Bia, Silvia e outras 11 “meninas do asfalto” da região central de São Paulo para tentar desvendar quem são estas garotas espalhadas pela cidade. Esta é a primeira reportagem da série, que continua nos próximos dias.
O salto alto e as roupas que imitam peças de grifes famosas chamam a atenção de especialistas e educadores por enfeitar quem não tem casa. Dentro da complexidade de facetas destas meninas, em meio ao furto, uso compulsivo de drogas, ingenuidade e realidade perversa, eles notaram também uma outra mudança: a ascensão feminina à liderança dos grupos de crianças de rua. 

Para Elder Cerqueira, coordenador de Psicologia Social da Universidade Federal do Sergipe e pesquisador da situação de vulnerabilidade das crianças brasileiras, houve mudanças nos últimos dois anos, e a menina de rua hoje pode desempenhar três papéis diferentes. Um deles, já bem antigo, é quando ela se masculiniza – com cabelos curtinhos e bermudões – para se proteger. “Não é reflexo de uma possível homossexualidade, mas uma ferramenta de inserção em um grupo já quase totalmente masculino”, pontua Cerqueira.
Outra possibilidade é usar a própria sexualidade como mecanismo de aceitação. “Ser a namoradinha de um dos garotos ou uma espécie de objeto sexual que passa de mão em mão entre os meninos da turma”, explica. A terceira função, mais recente e ainda minoritária, é a de líder do grupo. Caso das meninas da Vila Mariana e daquelas que a reportagem acompanhou no centro.
Em um grupo de meninos e meninas de rua diferente, Manuela, 26 – que após quase duas décadas na rua perdeu a maior parte dos dentes e acumula escaras na pele – ainda guarda características femininas que fizeram dela uma líder e a ajudam permanecer no “poder”. São características também de Marina e Bia. Elas, ao mesmo tempo em que expressam cuidado materno com os mais novos, também são responsáveis por fornecer cola, tíner e maconha às crianças. Os entorpecentes misturados à proteção fazem os filhos fictícios não quererem sair de seus domínios.
Das 14 meninas mulheres acompanhadas pelo iG, 3 foram apreendidas na Fundação Casa (Marina, Bruna e Silvia) por furtarem refrigerantes; uma delas nunca mais apareceu no grupo; uma quarta abandonou o emprego e as outras podem estar por aí, brincando e retocando o batom.
(Fernanda Aranda e Heloisa Ferreira, iG São Paulo, 13/08/2011)