Todo texto tem uma história - muitas vezes, tenho dificuldade para "abrir" a cabeça dos alunos para receberem bem textos escritos em outras épocas, com distintas linguagens, que aportam diversidade cultural. Para fundamentar a tese da importância do entendimento do contexto, sempre recorro a músicas escritas na época da ditadura. Creio que é uma boa maneira de mostrar o quanto um texto pode enganar, fazer giros de sentido, iludir um interlocutor que não conheça minimamente alguns dados sobre a época em que a canção foi redatada.
Um bom exemplo é a música "Carimbador maluco", de Raul Seixas. Escrita para criticar a ditadura, é claramente inspirada em um texto de um dos ícones do anarquismo, Pierre Joseph Proudhon:
Ser governado é ser guardado à vista, inspecionado,
espionado, dirigido, legislado, regulamentado, parqueado, endoutrinado,
predicado, controlado, calculado, apreciado, censurado, comandado, por seres
que não têm o título, nem a ciência, nem a virtude (...).
Ser governado é ser, a cada operação, a cada transação, a cada movimento, notado, registrado, recenseado, tarifado, selado, medido, cotado, avaliado, patentiado, licenciado, autorizado, rotulado, admoestado, impedido, reformado, reenviado, corrigido. (...).
Ser governado é ser, a cada operação, a cada transação, a cada movimento, notado, registrado, recenseado, tarifado, selado, medido, cotado, avaliado, patentiado, licenciado, autorizado, rotulado, admoestado, impedido, reformado, reenviado, corrigido. (...).
Para fazer a comparação, basta prestar um pouco de atenção à letra da música. Ainda que, de certa forma, a canção tenha se vendido posteriormente ao sistema que criticava (tendo sido aceita no seu sentido mais superficial, de música infantil, para animar um programa global), é um bom exemplo de como um texto aparentemente inocente pode fazer uma profunda crítica à sociedade.
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