As marchinhas
de carnaval, por terem uma letra curta e repetitiva, são uma boa pedida para
fazer uma dinâmica em sala de aula (já que permitem uma identificação rápida
dos termos com os quais o professor quer trabalhar). O ideal é usá-las quando
os alunos ainda estiverem em clima de carnaval (para fazer uma revisão do ano
anterior, por exemplo). Contudo, como as férias têm o poder de apagar todas as
informações das mentes mais atentas, talvez compense guardar a dinâmica para
outra época do ano, na qual haja a certeza de que os alunos escutarão as
marchinhas e saberão responder às perguntas propostas.
Eu usei as
marchinhas para trabalhar com a identificação de pressupostos e implícitos, uma
importante ferramenta na construção de uma leitura mais dedicada por parte dos
alunos. Entretanto, existem outras opções para esta atividade: identificação de
ambiguidades, de juízos de valor, de conectivos (e seus sentidos nas orações),
etc.
Só um rápido
lembrete antes da explicação do exercício: implícitos são os significados que
não estão na superfície do texto e que podem passar despercebidos em uma
leitura mais inocente. Por exemplo, se eu digo “Como está calor, não?” para
algum aluno sentado próximo à janela, ele pode considerar apenas o sentido
explícito de minha fala (e me responder “É verdade, não é?”) ou levar em
consideração o seu implícito e abrir a janela. Assim, o implícito pode ser
negado. Já o pressuposto é a informação que está pré-suposta ao enunciado e que
não pode ser negada. O pressuposto da frase “João parou de fumar” é que ele
fumava antes. Negar este pressuposto é negar toda a coerência da frase.
Marchinhas utilizadas:
Cachaça
Mirabeau Pinheiro-Lúcio de Castro-Heber Lobato, 1953
Você pensa que cachaça é água
Cachaça não é água não
Cachaça vem do alambique
E água vem do ribeirão
Mirabeau Pinheiro-Lúcio de Castro-Heber Lobato, 1953
Você pensa que cachaça é água
Cachaça não é água não
Cachaça vem do alambique
E água vem do ribeirão
Implícito 1: O
interlocutor da música bebe cachaça como se fosse água (ou seja, é alguém que
gosta muito de beber).
Implícito 2: Em época
de festas se bebe muito – o interlocutor da música são aqueles que estão
pulando carnaval.
Cabeleira do Zezé
João Roberto Kelly-Roberto Faissal, 1963
Olha a cabeleira do Zezé
Será que ele é?
Será que ele é?
Será que ele é Bossa Nova?
Será que ele é Maomé?
Parece que é transviado
Mas isso eu não sei se ele é.
João Roberto Kelly-Roberto Faissal, 1963
Olha a cabeleira do Zezé
Será que ele é?
Será que ele é?
Será que ele é Bossa Nova?
Será que ele é Maomé?
Parece que é transviado
Mas isso eu não sei se ele é.
Implícito 1: A
homossexualidade de Zezé.
Implícito 2:
Associação da Bossa Nova com comportamentos rejeitados pela sociedade, como o
homossexualismo.
Implícito 3:
Associação entre ter cabelo e ser homossexual.
Corta o cabelo dele!
Corta o cabelo dele!
Corta o cabelo dele!
Corta o cabelo dele!
Implícito 4: Cortar o
cabelo representa extinguir a homossexualidade, forma de amor desprestigiada
pela sociedade (mais fortemente nos anos 60, quando foi composta a música).
Teu cabelo não nega
Lamartine Babo-Irmãos Valença, 1931
O teu cabelo não nega mulata,
Porque és mulata na cor
Mas como a cor não pega mulata,
Mulata, eu quero o teu amor
Lamartine Babo-Irmãos Valença, 1931
O teu cabelo não nega mulata,
Porque és mulata na cor
Mas como a cor não pega mulata,
Mulata, eu quero o teu amor
Implícito: O
preconceito racial. O cantor só se propõe a ficar com a mulata porque tem a
certeza de que não “pegará” a sua cor, não se misturará de fato.
A pipa do vovô
A pipa do vovô não sobe mais!
A pipa do vovô não sobe mais!
Apesar de fazer muita força
O vovô foi passado pra trás.
Pressuposto: A pipa do vovô subia
antes.
A mulher que é mulher
(Klecius Caldas/ Armando Cavalcanti)
A mulher que é
mulher
Não quer saber de intriga,
Diga o povo o que disser
É a melhor amiga.
A mulher que é mulher
Não deixa o lar à toa,
A mulher que é mulher
Se o homem errar, perdoa.
E se perdoa,
É porque sabe, muito bem,
Que ele não troca
Por ninguém
O seu amor, o seu carinho.
Não quer saber de intriga,
Diga o povo o que disser
É a melhor amiga.
A mulher que é mulher
Não deixa o lar à toa,
A mulher que é mulher
Se o homem errar, perdoa.
E se perdoa,
É porque sabe, muito bem,
Que ele não troca
Por ninguém
O seu amor, o seu carinho.
Pressuposto: as mulheres que não
perdoam ao homem, que saem de casa, que gostam de intrigas não são mulheres
completas (ou não se adaptam ao conceito de “mulher” defendido pelos autores da
canção).
Implícito: o machismo.
Dica: para realizar a dinâmica, faça uma espécie de
roda de “batata-quente”. Um objeto passa pela roda e aquele que o estiver
segurando quando o professor pausar a música terá de responder quais são seus
pressupostos e/ou implícitos.
Gostei muito da proposta. Marchinhas de carnaval sempre são divertidas devido à popularidade. Quanto ao conteúdo a ser trabalhado é bastante relevante para construção de leitores ativos e críticos. Parabéns.
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