quarta-feira, 30 de maio de 2012

Diferenças entre Redação e Produção de Textos

No campo da educação brasileira, parece que certas mudanças só acontecem depois de validadas pelo vestibular. A instituição é ainda a grande responsável por decidir conteúdos e nomenclaturas que devem ser aprendidos pelos alunos: basta ver o caso das disciplinas de artes e filosofia, por exemplo. Apesar de constarem há muito tempo dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), essas áreas só passaram a ser “levadas a sério” após serem exigidas no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e em provas de grandes universidades públicas. Apenas a partir de então começaram a ser ministradas em cursinhos preparatórios e adquiriram o status de disciplina que é cobrada em provas.
A distinção entre “redação” e “produção de textos” é debatida faz anos entre os teóricos do texto. Contudo, enquanto os vestibulares e demais exames de grande alcance não fizerem sua opção pela nomenclatura “Produção de Textos”, a diferença entre as duas abordagens não será de conhecimento de muitos professores de português. 
Li recentemente a tese de mestrado de Mônica Cruz, intitulada “A produção textual no nível médio: uma análise das condições de produção”, que é excelente em mostrar o contraste entre um professor de Redação e um professor de Produção de Textos. Ao longo de sua observação de classes, a autora confessa que só conseguiu assistir a aulas tradicionais (Redação) – o conceito de Produção de Textos acabou ficando no plano do ideal.
Baseada na catalogação das características que Cruz faz dos objetivos de uma aula de Redação, elaborei uma tabela constrastiva entre as duas nomenclaturas que estão em foco aqui. Como sou militante da Produção de Textos, busco seguir os itens que elenco como premissas desta área – afinal, escrever é agir.
Redação
Produção de textos
Estuda-se a forma em detrimento do conteúdo (correção do texto visa apenas aos seus aspectos gramaticais).
Estuda-se a relação entre forma e conteúdo (correção do texto propõe um diálogo com o aluno).
Aulas baseadas em manuais de técnicas de redação.
Aulas baseadas em livros de teoria textual.
Sem atividade prévia para a produção escrita.
Exposição oral de conceitos e debate de ideias como atividade prévia de qualquer produção escrita.
Não há trabalho de reescrita dos textos.
Encara-se a reescrita como fundamental no processo de autoavaliação do texto.
O destinatário do texto é o professor.
Ao longo do ano, as melhores produções são fotografadas e publicadas em um blog; ou os alunos corrigem os textos dos colegas; ou são elaborados textos que terão destinatários reais – além dos muros da escola, entre outras ideias.
Os textos são fruto de uma atividade de reprodução. O aluno apenas cumpre instruções.
O aluno assume um compromisso com o que diz.
Os textos valem nota. Há uma nota máxima a ser alcançada.
Os textos são encarados como um exercício da cidadania do aluno. Parte-se da premissa que sempre é possível melhorar (o foco vai além de alcançar a nota máxima).
Só se estudam os modelos narração/ descrição/ dissertação.
São estudados diferentes gêneros e tipologias textuais.
A linguagem é um instrumento de comunicação.
A linguagem é uma forma de interação entre sujeitos.
O aluno aprende a fazer redação para se dar bem nas provas.
O aluno aprende a produzir textos para:
- interpretar melhor os vários discursos com os quais tem contato em seu dia a dia;
- refinar seu olhar crítico;
- saber como inter-agir no mundo por meio de sua palavra.

quarta-feira, 23 de maio de 2012

Escolha das profissões - Dinâmica

Apesar de não ser o foco desse blog, acho importante trabalhar com as expectativas profissionais de nossos alunos, principalmente as dos que estão nos últimos anos de Ensino Médio.

Um dos problemas que identifico em meus alunos vestibulandos é a ideia de que a carreira deve ser escolhida em função do mercado, da influência dos pais... mas e a vocação, aonde foi parar?



Para discutir um pouco o conceito de que um bom profissional tem grandes chances de ganhar razoavelmente bem em qualquer área e de que um mau profissional, independentemente de ser um médico, advogado ou engenheiro, provavelmente será mal remunerado e mal sucedido... proponho a dinâmica abaixo:

Serão distribuídos 8 cartões/fichas/frases a 8 grupos de alunos:

  1. Nunca terminou uma faculdade. Preferiu abrir um negócio próprio.
  2. Foi expulso do colégio após brigar com o professor de português.
  3. Trabalha de pedreiro desde os 14 anos.
  4. É professor concursado em uma cidade paulista.
  5. Cursou direito.
  6. Faz tradução de textos.
  7. Cursou medicina.
  8. Cursou engenharia.  
A seguir, serão distribuídos mais 8 cartões/ fichas/frases a 8 grupos diferentes (totalizando 16 grupos de alunos; com classes pequenas, é possível diminuir o número de fichas, desde que a correlação permaneça):

  1. Um dos homens mais ricos do mundo.
  2. Um grande poeta brasileiro.
  3. Tem renda mensal de cerca de R$ 4000.
  4. Tem renda mensal de cerca de R$ 2800, mas trabalha só 32h por semana.
  5. Tem renda mensal de cerca de R$ 1000.
  6. Tem renda mensal de cerca de R$ 17000.
  7. Trabalha 40 horas por semana, fora o que tem de estudar em casa, e ganha cerca de R$ 1600.
  8. Ao longo de sua carreira profissional, teve de lidar com salários baixos e excesso de trabalho.
O mais natural é que imediatamente os alunos relacionem os salários mais altos às profissões mais bem vistas na sociedade (engenheiro, médico e advogado) e os salários mais baixos, aos professores, pedreiros e etc. Contudo, ainda que esta relação seja verdadeira em muitos casos, há exceções e este é justamente o objetivo da dinâmica: mostrar que não há uma regra fixa que relacione a escolha da carreira ao quanto a pessoa ganhará. Para montar esta dinâmica, me baseei apenas em biografias reais. Assim, as respostas "corretas" seriam:
 
  1. Nunca terminou uma faculdade. Preferiu abrir um negócio próprio. (8 - Um dos homens mais ricos do mundo) - Bill Gates
  2. Foi expulso do colégio após brigar com o professor de português. (6 - Um grande poeta brasileiro) - Drummond
  3. Trabalha de pedreiro desde os 14 anos. (7 - Tem renda mensal de cerca de R$ 4000) - Notícia de jornal sobre o crescimento do ramo da construção
  4. É professor concursado em uma cidade paulista. (1 - Tem renda mensal de cerca de R$ 2800, mas trabalha só 32h por semana) - Informação retirada de edital de concurso.
  5. Cursou direito. (3 - Tem renda mensal de cerca de R$ 1000) - Notícia de jornal sobre as dificuldades dos advogados recém-formados
  6. Faz tradução de textos. (5 - Tem renda mensal de cerca de R$ 17000) - Tradutor juramentado no Itamaraty
  7. Cursou medicina. (4 - Trabalha 40 horas por semana, fora o que tem de estudar em casa, e ganha cerca de R$ 1600) - Informação retirada de edital de concurso
  8. Cursou engenharia. (2 – Ao longo de sua carreira profissional, teve de lidar com salários baixos e excesso de trabalho) - Notícia de jornal sobre as diferentes engenharias e a faixa salarial de cada categoria


 


quarta-feira, 16 de maio de 2012

Dinâmica - Aula Inicial de Português

Para quebrar o gelo, todo professor costuma recorrer a dinâmicas no início do ano (ao menos que ele decida começar a aula escrevendo um texto enorme na lousa e - pesadelo dos alunos - pedindo lição de casa logo no primeiro dia!). Uma ideia que usei neste ano foi a de recortar papéis (1/2 folha de A4), sendo que em cada "ficha" havia uma pergunta impressa. Essas perguntas versavam sobre os gostos pessoais dos alunos, permitindo conhecer melhor a turma.

Os "passos" que segui na atividade foram:

1. Levar os alunos para um ambiente diferente da sala de aula - serve a quadra ou o pátio da escola - e fazê-los sentar em uma roda;
2. Explicar as instruções e ver se alguém tem alguma dúvida (óbvio, mas esquecer deste item arruina qualquer dinâmica);
3. Cada aluno recebe um papel e responde rapidamente à pergunta proposta (que pode ser: obra que tem o título mais bonito/ obra preferida/ obra que mais odeia/ obra que tem o pior título/ obra que mais te emociona/ obra que mais te causa raiva/ obra de que você gostava, mas não gosta mais/ obra que te lembra um lugar legal/ obra que te lembra um momento inesquecível);
4. Depois de responder, o aluno amassa o papel e joga a bolinha em alguma outra pessoa - "autorizar" que eles joguem bolinhas de papel uns nos outros ajuda a quebrar um tabu da escola e aumenta a diversão da turma;
5. Assim, a tendência é que eles respondam rapidamente na tentativa de dar sua opinião sobre o maior número de questões.


Como a maioria dos alunos não gosta de ler, tentei ser mais abrangente e permiti que a "obra" fosse o nome de um livro, de uma música ou de um filme. Trabalhei com um pouco de raciocínio imediato antes de começar o jogo, para que eles não demorassem muito pensando nas respostas das questões.

Depois de concluída a atividade, comentei os conceitos de "certo" e "errado", que não se aplicam nem às respostas que eles forneceram e nem aos textos que escreverem ao longo do ano. Assim, tentei substituir essa ideia pela de "adequado/inadequado". Alguém que citasse um filme de terror bastante sangrento como sua obra favorita, por exemplo, incorreria em uma atitude inadequada  em contexto escolar - mas não errada, já que gostos não se julgam.

Contudo, os melhores resultados desta dinâmica vêm a posteriori: quando fui trabalhar preconceito linguístico, por exemplo, comentei o fato de que no item "título mais bonito", 70% dos alunos colocaram títulos de música em inglês. Eles mesmos concordaram que, em português, os títulos que julgam bonitos não teriam nenhuma graça - refletiram, portanto, sobre o status de diferentes línguas e suas variantes. Assim, é possível fazer uma verdadeira análise das respostas dos alunos e ir utilizando-as ao longo do ano, para comentar os assuntos das aulas.




terça-feira, 15 de maio de 2012

Jogo das Ambiguidades

Compreender as ambiguidades de um texto é uma ferramenta importante de leitura, mas, ainda assim, é um tópico pouco trabalhado em sala de aula. Para tornar a atividade mais divertida, formulei um jogo para testar o conhecimento de meus alunos. Dividi a sala em quatro grupos, ordenados em fila, para irem se revezando nas respostas (estilo game show). Depois, mostrava aos alunos um sulfite com uma frase de duplo sentido impressa em fonte grande, possibilitando a visualização de todos - assim, o primeiro que levantasse a mão e descobrisse a ambiguidade ganhava pontos para o seu grupo. As frases foram retiradas de vestibulares diversos (ITA, Unicamp, USP, Unesp, Mackenzie) e seguem abaixo.



É importante explicar primeiramente o que são as ambiguidades e fazer alguns exercícios com os alunos. Se eles não estiverem "aquecidos" para o jogo, não conseguirão detectar nenhum duplo sentido nas frases, inviabilizando a proposta. Se alguém não souber aonde está a ambiguidade das frases abaixo, basta fazer um comentário que eu respondo, ok?

1- Pelo que se tem visto no cenário mundial, os Estados Unidos vão acabar com essa crise.

2- Uma moça se preparou toda para ir ao ensaio de uma escola de samba.
Chegando lá, um rapaz suado pede para dançar e, para não arrumar confusão, ela aceita.
Mas o rapaz suava tanto que ela já não estava suportando mais. Assim, ela foi se afastando e disse:
– Você sua, hein!!!
Ele puxou-a, lascou um beijo e respondeu:
– Também vô sê seu, princesa!!!

 3- Nos últimos meses, o debate sobre o aquecimento global vem, com perdão do trocadilho, esquentando.

4- Preso vigia acusado de matar empresário.

5- Um músico ambulante toca sua sanfoninha no viaduto do Chá, em São Paulo.
Chega o “rapa” e o interrompe:
_ Você tem licença?
_ Não, senhor.
_ Então me acompanhe.
_ Sim, senhor. E que música o senhor vai cantar?

6- Alguns sonhos não mudam. Quer dizer, só de tamanho.

7- A chuva tirou tudo o que eles tinham. Agora vamos dar o mínimo que eles precisam.

8- Remédio para coração.

9- Mercedes dá férias coletivas a 7.000 e para fábrica no ABC.

10- Não há uma só medida que o governo possa tomar.

11- Jatene pede resistência à equipe econômica.

12- Nessa região, a densidade demográfica é muito baixa: há apenas uma pessoa por quilômetro quadrado. É gente que nunca se vê.

13- Rossi pede ao STF processo por calúnia contra Motta.

14- É só colocar as moedas, girar a manivela e ter a escova já com pasta embalada nas mãos.

15- Casal procura filho sequestrado via Internet.

16- Regressou a Brasília depois de uma cirurgia cardíaca com cerimonial de chefe de Estado.

17- Acostumados às apagadas, às vezes literalmente, mulheres dos dirigentes do Kremlin, os russos achavam que ela era influente demais, exibida, arrogante.

18- Pais rejeitam menos crianças de proveta.

19- Não se eliminará o crime com burocratas querendo satisfazer o apetite por sangue do público.

20- Ao chegar ao bairro da Liberdade,  a candidata participou de uma cerimônia xintoísta (religião japonesa anterior ao budismo). Depois, fez um pedido: "Quero paz e amor para todos". Ganhou um presente de um ramo de bambu.

21- Sítio Bom Jardim apresenta Forró Sertanejo com a banda Casa Nova, no dia 30 de outubro, a partir das 21 horas. Mulher acompanhada até 24 horas não paga. Venha e participe desta festa.

22- Temos vaga para rapaz com refeição. (Placa em frente a uma casa em Campinas, SP.)

23- (...) defendemos a adoção de normas e o investimento na formação de brinquedistas*, pessoas bem mais preparadas para a função do que estagiários que têm jeito e paciência para cuidar de crianças.
("Veja - S.P", 13/08/2003)

24- Olhei-o nos olhos, enquanto ele olhava os meus, surpreendendo neles uma perversidade que jamais supusera existir.

25- Durante a campanha promovida pela Rádio Bandeirantes, milhares de kits de primeiros socorros foram trocados por bonés que serão doados a várias instituições carentes de materiais hospitalares.

26- O porteiro e o vigilante da empresa foram chamados a depor, mas observou-se que o depoimento do funcionário contradisse o do colega.

27- Cuidado escola!
(Placa de rua)